sábado, 24 de dezembro de 2016

Vinte e Quatro de Dezembro.



"Quem não me deu Amor, não me deu nada.
Encontro-me parado...
Olho em redor e vejo inacabado
O meu mundo melhor.

Tanto tempo perdido...
Com que saudade o lembro e o bendigo:
Campos de flores
E silvas...

Fonte da vida fui. Medito. Ordeno.
Penso o futuro a haver.
E sigo deslumbrado o pensamento
Que se descobre.

Quem não me deu Amor, não me deu nada.
Desterrado,
Desterrado prossigo.
E sonho-me sem Pátria e sem Amigos.
Adrede."

O poema acima chama-se "Linha de Rumo". Escreveu-o Ruy Cinatti no livro seu com o feliz título "O Livro do Nómada Meu Amigo". Demorei anos a buscar o significado da palavra "adrede", que desconhecia. Pareceu-me evidente que ao ser escolhida para terminar um poema com o título "Linha de Rumo" seria interessante que implicasse um paradoxo, isto é, a ausência do mesmo rumo. Isto tinha também algo a ver com o meu conhecimento, superficial, da vida pessoal de Cinatti, talvez o nómada português mais interessante desde a odisseia de Fernão Mendes Pinto. Superficial porque a procura de Cinatti foi sempre dirigida, afinal. E ele sim que NUNCA abandonou Timor, para dar apenas o maior exemplo. Sabia portanto o que queria, para onde ia, a quem devia ser leal.

Adrede: (advérbio) de propósito, expressamente, propositadamente.

Não paro de aprender com Ruy Cinatti. Afinal...

PS.: por alguma razão um dos escritores de que mais gosto chama-se Bruce Chatwin.

domingo, 18 de dezembro de 2016

Dezoito de Dezembro.


Como se chamam essas coisas

que em cima dos gelados

aparecem e que, dobradas

desenham um círculo

perfeito a partir de um

duplo pau de madeira?

Nem a metade a tinhas e

por isso atenta, o inteiro

círculo solar o que sempre se

quer e que, às vezes, já então

sabias, se consegue.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Catorze de Dezembro

Em Trás-Os-Montes diz-se assim: "de Jou para Jales". O que quer dizer: andar de um lado para outro, sem resultado prático. Naquelas terras o esforço é muito, o produto nem por isso, qualquer desperdício, de tempo, forças, dinheiro, bem malvisto. Por isso andar "de Jou para Jales" não é bom. Não será. Mas... nada como experimentar. E, como, vendo bem, metaforicamente, assim tenho ido por estes últimos meses afora, interessava conhecer Jou e Jales, e o caminho entre, para entender melhor o adágio trasmontano.

Jou fica no extremo norte do concelho de Murça. É uma aldeia que - como todas - já conheceu melhores dias. Envolta em nevoeiro, permitiu que eu lhe conhecesse o miolo sem que um cão, um galo, uma qualquer cabeça de gado, se incomodasse com a minha presença. Cumprimentei um homem, idoso, que conduzia a sua motocultivadora mais seu reboque. A epidemia das motocultivadoras em Portugal terá nascido de várias coisas, uma delas não haver dinheiro para um tractor. Sempre as vi com um reboque atrás, um homem ou uma mulher bamboleando em cima delas enquanto as conduzem sobre um centenário empedrado. Resumindo, nunca vi uma motocultivadorra a motocultivar. Claro que a questão estará em mim que pelos empedrados ando mas os campos não frequento. 

E Jales? Jales não existe, para complicar as coisas. Jales lembra as minas, claro. o ouro dos romanos e que, dizem, viriam agora uns canadianos resgatar do olvido. Houve na antiga e bem mais poética divisão dos concelhos de Portugal, um concelho de Jales, com cabeça em Alfarela de Jales. Nessa divisão Jou pertencia a Carrazedo de Montenegro, hoje freguesia de Valpaços. Jales é um planalto onde medram Vreia de Jales, Moreira de Jales, Cidadelhe de Jales, Campo de Jales, etc.  O caminho entre Jou e Jales (Alfarela de) via Google Maps pede descer a Murça, cruzar o rio Tinhela e fazer as famosas curvas. Imerso em variável nevoeiro intenso não era dia de procurar viagens mais directas pelo que assim foi feito. Caminho mais recto implicará estrada em mau estado ou caminho, e na mesma cruzar o rio Tinhela, rio muito encaixado lá em baixo, como o atestam as ditas curvas. 

Feita a reposição de gasóleo em posto Galp em Murça - o gasolineiro pedia ao telefone que lhe mandassem mais óleo para motosserra que se tinha esgotado - segui para Alfarela de Jales. Estacionei no centro junto ao - aberto - Café Central. Cá fora garrafões de vinho e botijas de gás aferiam da amplitude de negócios do café. Um pequeno rebanho de ovelhas recolhia, algumas mulheres circulavam por aqui, por ali. Talvez o ser a hora um pouco mais tardia também influisse na presença humana nas ruas. Alfarela de Jales é uma aldeia maior do que Jou, pelo menos mais aglomerada - a freguesia tem menos habitantes mas um terço da área. Já foi vila e, como dito, cabeça de concelho.. Jales é um nome conhecido, pelas minas, é uma marca geográfica, como não há muitas em Portugal. É uma "terras de Basto" mais pequena - mas não um vale, sim um planalto. Passando Alfarela de Jales e o seu bairro de Cimo de Vila vemos uma pequena depressão que é o planalto de que falamos e que termina numa linha de eólicas de onde nos despenhamos para Vila Pouca de Aguiar.

Portanto: Jou não é bem Jales. Hoje (ontem), pelo menos. Vá de entender a cabeça dos trasmontanos antigos ao criar esta expressão. Seria canseira grande o caminho entre, para pouco ou nenhum progresso, de aldeia para aldeia, de curro para curral? Como digo, trasmontano não desperdiça. E se calhar mais lógico e bem pensado, o caminho a fazer sendo por Murça, ficar nesta que me pareceu ser uma simpática vila com duas ou três ruas antigas bem arrumadas e não desfeitas. Fica por conhecer o caminho "interior", por Carvas, com descida - possível? - ao rio Tinhela, e depois subida pela contracosta até Fontefria. Manias! Andarilhos somos nós os passeantes, os traseuntes. O trasmontano caminha, anda, sobe, desce muito, mas para. Em Jales uma simpática idosa perguntou-me se eu procurava alguém. Respondi-lhe que não. Menti, claro.

Jou.



Jales.


domingo, 11 de dezembro de 2016

Onze de Dezembro.

Acredito mais e ainda
Naquilo que não pode ser
Dito.

Eis porque o fim disto
Tem este som de in
Acabado.

E é assim que me ape
Lido: desvivo, im
Parado.

Safo-me a nado?

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Trinta de Novembro.

Como é que um tipo que não sabe nadar se mantém à tona de água? Resposta certa: ficando em terra.

Moral da história: não vás ao mar, Tóino!

terça-feira, 29 de novembro de 2016

domingo, 20 de novembro de 2016

Vinte de Novembro.

Está quase, este ano está quase, esta inclinada subida. Mas ainda faltam uns quantos dias e o que mais virá, outro ano igual, 2017. Deixa-me explicar como vai ser.

Tenho quase todo o último Tom Waits por ouvir. Que se ouça. Descobri que o Ricardo Saló tem um programa de rádio na Dois - é ouvir. Haverá em podcast?  Comprei em 2010 o Foge Foge Bandido do Manel Cruz. Não sei porque ainda não o ouvi. A tetralogia napolitana da Ferrante vai acabar rápido, eu sei. Bem como o WestWorld. Mas nas estantes brilham as Histórias onde sempre volto para me esquecer de que acontecem coisas lá fora e que lá fora se define pelo sítio onde eu não estou: a História de Portugal do José Mattoso, a da Expansão Portuguesa, e há outras. O planeta terra é um conjunto da histórias, afinal, todas a serem esquecidas. De vez em quando a FNAC vai continuar a oferecer-me DVD's a cinco euros, com um ou dois filmes interessantes para ver ou rever. E de uma vez por todas tinha de aprender a escrever como hábito e não excepção. A vida, afinal, não tem nada de excepcional. 
Enquanto não haverá sempre um carro e o silêncio da condução - onde nunca se sabe quem conduz, quem é conduzido. 

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Catorze de Novembro.


Copiar. Não copiar.

Alterne? Tricotomia.



#



Os viúvos aparecem muito nos filmes.

Têm um filho. Ou um cão.

As viúvas aparecem nos poemas.

E morrem quase sempre,

Se giras.



#



A automedicação não se explica.



#



Ainda mais outro jardim?



#



Se no princípio o Verbo não

Tivesse dado o seu consentimento,

Talvez isto não fosse a

Merda que é.



#



Mas, de qualquer forma, obrigado

João Miguel, agora que me

Despeço.



#



Por agora conto cinco.

Acusatórias. Porque nada e

Muito pouco e menos ainda um bom bocado.

Sorrisos e almoços não contam?



#



Fazem chegar-me um bilhete.

"Quanto custa?", pergunto.

Assim estamos.



#



Pacotinhos com sementes,

Aqueles dias. Por saber os meses

Quando, as chuvas

Onde, os cms de distância

Entre.



#



Porque mais pesado

Aguentará esta ponte

O dia de voltar?



#



A vida calma, devia.

Como rio não pára, porém, noto.

Uma pedra - atirem! - para

A fotografia dos círculos

Concêntricos e tal...


quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Nove de Novembro.

Trump ganhou, a temperatura mantém-se agradável. Aprendi a fazer capturas de ecrã e domino cada vez mais a floresta das afasias. Cada doente uma, única, árvore.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Sete de Novembro.

O apartamento onde vivo tem persianas automáticas. Os comandos que as comandam estão a falhar. Sempre achei que o problema passava pelas pilhas dos mesmos, largas e chatas e difíceis de encontrar. Analisando detidamente a situação ontem, domingo, pareceu-me afinal não ser assim, que a pilha se manteria bem, o comando em si é que estava a falhar, nomeadamente o botão de descida. 

O detalhe acima, julgarão, é nada. Tem porém a importância de permitir ou não fechar a persiana da porta do terraço, pequena barreira securitária. Por outro lado, reparem, é uma lição de vida. As coisas nunca estão vistas definitiva e terminalmente. Um dia há, domingo ou não, onde reapreciamos o que está e damos connosco a pensar: não é da pilha, é do botão do comando mesmo!

Isto posto, ele há coisas por aqui que me parecem convictamente depender de uma pilha que não está bem. Parecem! Vou deixar estar, vou. Talvez um dia eu, reapreciando também, repare no botão menosprezado mas que afinal é a chave, o xis, e que, gasto, me impede. 

PS.: claro que um comando estragado é mais difícil de resolver do que uma pilha gasta, sim, é verdade, mas não é o aproximar desta mesma verdade sempre um progresso?

domingo, 6 de novembro de 2016

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Quatro de Novembro.

Um dia haverá um filme que permitirá ao Nicolas Cage finalmente encontrar a paz.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Dois de Novembro.

"Há uma fase na vida em que esta abranda de forma nítida, como se hesitasse entre continuar ou alterar o seu rumo. É possível que nesta fase seja mais fácil o azar vir ao nosso encontro."

Robert Musil

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Dezassete de Outubro.

"Tem alojamento para mim, para estes miúdos e para o cão? - perguntou ele.
- Recebo pessoas, mas não animais - respondeu o estalajadeiro.
- Então não fica cá nem o homem nem a sua comitiva - tornou Moutier, voltando a por-se a caminho.
O estalajadeiro viu-o afastar-se com desgosto. Pensou que tinha sido tolice não receber um hóspede, só porque ele não se queria separar das crianças e do cão. Talvez até fosse um hóspede que pagasse bem.
- Venha cá, ó senhor! - gritou ele, correndo atrás de Moutier.
- Que é que quer? - perguntou este, voltando-se.
- Afinal sempre posso dar-lhe alojamento.
- Guarde-o para si. Já não preciso.
- Olhe que não encontra por aqui melhor hospedaria.
- Pois que aproveite aos que ficarem na sua casa.
- O senhor não vai fazer-me a desfeita de recusar o alojamento que lhe ofereço.
- Vocemecê também mo recusou quando lho pedi.
- Desculpe, mas não tinha reparado em quem o senhor era. Falei depressa demais.
- Eu também não tinha reparado em vocemecê, mas agora, que o vejo melhor, agradeço-lhe ter falado depressa demais, e vou procurar alojamento noutro sítio."

Condessa de Ségur, A Pousada do Anjo da Guarda.

domingo, 16 de outubro de 2016

Dezasseis de Outubro.

"Here's my life, why not, it is one, if you like, if you must, I don't say no, this evening. There has to be one, it seems, once there is speech, no need of a story, a story is not compulsory,  just a life, that's the mistake I made, one of the mistakes, to have wanted a story for myself, whereas life alone is enough."
 
SB

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Seis de Outubro.

O caminho está interrompido na praceta. Num Golf há uma longa despedida. 
Um casal em fatos de treino vem passear o cão, passeia o cão, acaba de passear o cão. 
São dois prédios como dois rochedos num mar. Da porta de um deles sai uma mulher com dois sacos. Atravessa a praceta, os aros dos óculos reluzem com a iluminação da rua, entra no outro edifício. Caminhou sobre as águas? 
Chega um Opel Corsa e inicia-se uma espera por tempo indeterminado. 
Amigas trazem uma amiga num Toyota. A praceta é como uma placa giratória e elas não podem terminar a conversa do jantar: adeus, adeus! 
O Golf manobra para deixar passar. Vejo que ela tem compridos e pacientes os cabelos.

É quase certo que amanhã será dia. 
Mas outro?

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Cinco de Outubro.

"Catarina, ensina-me a remover o cálculo."



#



"Tocar em tudo sem razão aparente."

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Quatro de Outubro.

Onde estão os meus diários de juventude? Por onde andam? Escritos com uma letra difícil de ler, letra difícil e que cada vez mais o foi até hoje quando, felizmente já não escrevo, só percuto teclas de um teclado de computador. Escrevi então coisas que não mais esqueci. Escrevi, por ex., que o hóquei em patins era um desporto muito mais interessante de ver do que o futebol - correcção devida ao facto de jogar mal futebol (à defesa, portanto). Escrevi como se escrevesse ao meu companheiro de carteira da primeira classe, o Tó: "Querido Tó" - quando a expressão "querido" ainda não tinha apensa uma orientação sexual, apenas a pena de o Tó Elvas já não pertencer ao número dos vivos, vítima de uma daquelas estúpidas doenças que às vezes escolhem gente jovem. Lembro-me dele alto, muito magro, pelas ruas de Ovar, como se fosse cair para o chão. Se calhar não era assim mas é a memória que eu guardo. Durou pouco, assim se costuma dizer e fecha-se um parêntesis cruel. 
Escrevi também sobre o "ter piada". E, então como hoje, pre-adolescente, já me apercebia do doce que é ter a dita piada, e do amargo que é os olhos alheios fecharem-se à leitura do livro de onde a piada surge. E porque não há livros abertos, hoje eu sei. O Tó Elvas tinha montes de piada, um cabelo escorrido, comprido, uma voz rebelde, de catraio das ruas de Ovar. Morava no Outeiro-Mota. A irmã Olívia corria pela ADO e dava umas abadas à Rosa Mota que corria pelo FCFoz. A Olívia parecia-me uma convencida - naquele tempo eu nem pensava no facto de ela ser uma adolescente. Casou e parou de correr, assim. E perdeu a  piada que nunca tinha tido. Enfim.

Entendam, eu até gosto de ter piada. Mas eu queria mesmo era ter um Maserati...

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Vinte e Nove de Setembro.

"Todos temos um pouco e eu trabalhos tenho muitos!": seria assim que me disse naquela manhã quando eu saia de trabalhar e não quis o café que lhe ofereci? Reencontrei-a dois dias depois e já não se lembrava do dito, provérbio feito e desfeito no momento, os trabalhos esses, eu sei, sempre presentes, oferecidos sem papel de embrulho para disfarçar. Notei-a um pouco mais cheia de cara, embora bonita, claro, como discutir. Os seus anos são os meus, give or take a few. A voz um cristal. A sua mãe uma doente minha e uma mulher perdida nos anos que trabalhou e nas doenças que procura ter, nem sempre com sucesso.

Permita-me que lhe pergunte: que foi feito dos seus sapatos vermelhos?

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Vinte e Sete de Setembro.

Ontem saí da consulta satisfeito. Havia duas razões para assim sair. 

Precisava e fui fazer pequenas compras. Uma tesoura precisava.  Comprei duas. Posso agora optar por cortar mais, cortar menos, mais forte, mais suave. Espetar mais fundo ou menos se também necessário for. Pilhas para os comandos dos estores. Merdas que recebemos quando alugamos, estes estores que me rodeiam decidem os seus tempos de subir, de descer. As pilhas são chatas na forma e chatas de encontrar: não as encontrei. E sementes das mais imperfeitas flores. Porque é tempo de voltar a semear.

As duas razões? A boa: consultei bem, aqui e ali a diferença foi feita. A óptima: hoje não trabalho.

domingo, 18 de setembro de 2016

Dezoito de Setembro.

Estava bom e fazia sol. O tempo ia mudar, sabíamos, mas hoje ainda não. E era o Alvão, o planalto que divide o Norte de Portugal em dois. 

Parámos para almoçar na estação de serviço da auto-estrada. À direita havia ao longe muito terreno ardido. Fomos atendidos num pequeno restaurante e bem, e bem comemos. O destino era Nadir Afonso e comprar vermelhos narizes de palhaço. Para mim também vou comprar, nunca o tive tão claro.
Comíamos. Ali no Alvão sentia-me como que num intervalo. Como foi, como vai ser, como poderia ter sido. A ondulação do terreno somada dava um resultado neutro para norte, para sul... 

Na minha frente, do outro lado do vidro, um jovem pinheiro atirava-se para o Sol, inteiro. Que importava crescer ali no espaço verde dominado de uma estação de serviço. Atirava-se. Um jovem pinheiro não pensa, pensará um mais velho? E, naquele momento, quis muito ser aquele jovem pinheiro.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Seis de Setembro.


Abro a porta:
Ao lado um banco de granito.
Sento-me.
 
Amanhã há mais.
 
#
 
Chama-se uma sombra.
Sei como se faz.
 
#
 
A idade um açaimo.
 
#
 
No fundo uma cama, via.
 
#
 
Um desencontro extenso, era.
 
#
 
Desliga-me esta máquina.
 
#
 
Irei ceder ao ínvio folclore?
 
#
 
E para ti uma sanguínea.
 
#
 
Élitros convinham.
 
#
 
O caminho para o silêncio procuro.
Gostava, por ex., de saber
Rumorejar.
Ou de, silente e de bicicleta,
Desaparecer rumo ao ocaso.
 
#
 
Os anos berbequins.
 
#
 
A mais tardia hora foi,
"Agora que penso",
Antes.
 
#
 
Na ponte passam pessoas.
Para umas terá valido
A pena. As outras nada
Dizem ou sou eu que não
Ouço.          Ouço
Obras...
 
#
 
Uma igreja vazia, ergo perfeita.
 
#
 
O uníssono às vezes acontece,
Mas não exageremos.
 
#
 
Idem o simultâneo.
 
#
 
E foi quantas vezes?
Esta.
 
#
 
A expressão determinada.
A comparação determinando.
 
#
 
Era uma película branca: raspar
Ou escrever por cima?
Decidir: uma porta
Giratória.
 
#
 
Era uma loja inconveniente mas
Apenas objecto de
Pequenos furtos.
 
#
 
A bolsa e a vida não cabiam naquela porta.
E ele então escolheu.
 
#
 
Conclama, conclama.
Isto não muda!
 
#
 
Possa poder tudo o que pode.
 
#
 
Apagar os fogos com infusas será a solução?
 
#
 
A fome fonte de enganos? Não,
Ciência exacta!
 
#
 
Ausculto o coração uma e outra vez:
Nenhuma opinião obtenho.
 
#
 
A rua não era íngreme, portanto...
 
#
 
Espancamento. Redução. Isso.
 
#
 
A memória salva-me um pouco.
Como: uma ameaça nunca tem
Perdão.
 
#
 
O entretecido é que nos
Trama.
 
#
 
O amigo mais pontual devia
Receber um prémio.
 
#
 
Diário de uma exclusão, isto.
 
#
 
Mãos sobrevivas.
 
#
 
Como ao betão pré-esforçado
Podiam ter-nos avisado.
 
#
 
A casa na árvore tem uma janela que está
Sempre aberta para todas as coisas boas.
 
#
 
Quando um poema diz "homem" cada dois
Parágrafos começo logo a ficar nervoso:
Lá vem a "A Internacional"a seguir!
 
#
 
E é isto.

domingo, 4 de setembro de 2016

Quatro de Setembro.


Riso cristalino? Não, corrijes,
Acristalado. E ris.
Acastelado, corrijo.
O teu rir é a tua defesa.

#

Controlas o momento em
Que, tocado pelo café com
Leite, o quadrado de açúcar
Começa a mudar de cor.
Não controlas a velocidade
A que ele muda.

#

Vai embora.
Volta sempre.

#

Estado de graça:
Expressão subtil.

#

Há trinta
Anos, escrevia
Que " terias
Deixado de ouvir."

Antecipação
Científica.

#

Uma máscara grega: tudo o
Que ficou do ano passado.

Mas qual?

#

Chamam de comum ao
Mais conhecido
Dos guarda-rios.
Ele vinga-se,
Polígamo.
E os rios não
Guarda, antes
Rouba, em
Voo picado
Celebratório.

#

A raiz quadrada
Não augura bom
Destino à
Planta.

#

Existe malícia no querer a carne mal
Passada! Define o tempo
Que se passa bem, por isso falar
De abandono da carne não colhe.
E escolhe o cliente sempre "médio!".
E a vida toda leva com a carne
Morna.

#

Vedor, descubro apenas.
Se fosse canalizador também
Ganhava mais dinheiro.

#

Tonto, índio fiel e indiferente
Ao insulto do nome.
Testemunha de defesa no
Meu caso, long time ago,
Escrevi. Não me lembro do
Que escrevi. Lembro-me porque
Escrevi. Podia
A menos ter sido em papel
Colorido.

#

Um voo não planeado
Precisa de plano
De voo?

#

Uma linha a
Lei dos dias,
Para que
Recta
Um dia de
Juízo.

#

Não pensaste
Que o teu
Desemprego
Seria, teu
Paquete, o
Meu.

#

Ver sem olhar está previsto começar
Para o ano que vem.

#

Ser profeta é apenas saber pagar
A defesa. Ajuda ter lido uns livros,
Mas pouco.

#

Na companhia de caçadores
Mas sem quereres fazer
Mal a uma mosca.

#

Se fores suficientemente magro, ou
Pouco, pode ser que escapes à
Bala tracejante.

#

Não percebo para quê o piquete
De greve; eu, na realidade,
Não estou aqui.

#

A tarde que
Entretece é
Já um tempo
Perdido.
Obedece o
Corpo não
Obedece o
Cão pensamento:
A noite vem
E vou ter de o levar a passear.

#

E nada nos prepara para a
Crispação.

#

Olha, uma moeda!
Apanhes ou não a apanhes,
Moeda de troca.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Vinte e Dois de Agosto.

Corria o ano 94 e tu começavas. Eu tinha começado um ano antes. Sabes, o verbo ajudar é um pouco incerto e aqueles tempos foram excessivos, a factura de um cóccix alheio um pretexto. Sim, a minha preocupação, já então, era com os doentes. Homens, mulheres, então ia a todas. Passaram 22 anos, não terás esquecido.
Viste-me demasiadas coisas?

sábado, 13 de agosto de 2016

Treze de Agosto.

"Desculpa, os telemóveis da Optimus é na NOS?" 
Quem assim me interpelava estava à minha frente numa caixa multibanco e era tarde. "Sim", respondi. Era um senhor de idade, casaco azul e calça clara de verão, o escasso cabelo bem penteado para trás, a figura delgada, o gesto a um tempo hesitante mas ainda decidido. "Desculpe, mas CONTINUAR é em baixo." - disse. E fui para mim corrigindo que o multibanco era efectivamente confuso, ora dos lados ora no teclado, acima e abaixo, não era fácil, "Agora à direita em cima, não quer com NIF, pois, não?" Eu tinha pressa e cirurgicamente ajudava nas hesitações, desculpando-me por intrometer. "Peço desculpa, o meu telemóvel não tem desdes problemas, é... enquanto o da minha esposa tem que se carregar de três em três ou de quatro em quatro meses!" Ele carregara doze euros e meio precisamente. Um senhor com uma elegância como eu nunca tive, como eu nunca terei, hesitando mas decidindo. Tratando das coisas. Agradeceu mais uma vez, abandonou a caixa multibanco e seguiu pelo passeio, lesto. "Morrer mas devagar"? Viver, devagar apenas uma das opções..
Gostei que me tratasse por tu.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Oito de Agosto.

Ofereci entre pausas a tetralogia napolitana que começa com "A Amiga Genial" de Elena Ferrante à minha mãe. Adivinhei qeu ela ia gostar e assim foi. Não lhe disse logo de início que iam ser quatro livros e que eles se sucediam. E a minha adivinha o era porque nunca li Elena Ferrante. Assim fui-lhe criando uma, duas, três agradáveis surpresas. E porque nunca li Elena Ferrante? Simplesmente porque vende demasiado, o que para um pedaço de asno como eu é um pecado dos mais mortais. Mas... roia-me o bichinho da curiosidade. Para compensar não sei que agravo na sexta-feira passada fui a uma Bertrand satisfazer o vício e estender o braço para que um, dois, três livros entrassem. "Crónicas do Mal de Amor" estava em escaparate - "Que puta de título!", pensei, e voltei a pensar... A autora, Elena Ferrante, claro está, com um prefácio de James Wood, originalmente escrito para o The New Yorker. 

Já comecei a ler. Não adianta escapar, eu e a minha mãe somos leitores-gémeos. Exceptuando o eu ser um pedaço de asno, às vezes. 

sábado, 6 de agosto de 2016

Seis de Agosto.

"(...) mas, para uma pessoa que está fora de si, não há nada de mais detestável do que voltar a si."

Thomas Mann, Morte em Veneza.

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Cinco de Agosto.

Uma pessoa minha amiga tira-me um café e confidencia-me: "Já lá dizia a minha avó, o instinto dos homens vê-se pelo álcool, por exemplo o meu só se ri!". Um doente meu pendia-lhe para o álcool e um dia atirou uma foice à esposa. Ele oferecera-me uns meses antes umas castanholas com a cabeça em formato de leão e onde esculpira "S.C.P". Eu quando bebo rio um pouco e depois calo-me; e de ficar calado não paro nem me canso; e apetece-me dormir e esquecer.
 
É, esta minha amiga tem razão sobre o álcool e os homens.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Vinte e Nove de Julho

Everything But The Girl. As vezes que me questionei do porquê do grupo se chamar assim. Tão meu não entender a coisa não dita.
Mas hoje percebi.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Vinte de Julho.


Quando eu era criança havia na Estrada para a Ribeira um Monte Sinai.

Um pessoa à custa de contar histórias e histórias repete-se e repete-se. Se me prestam atenção sabem que Ovar está construida sobre areia. A praia de que falo vai até S.João de Ovar. Na Estrada que vai para a Ribeira havia uma duna alta com algum arvoredo mal preso no alto – lembro-me das raízes saidas na encosta da duna. Não sei quem me levou lá, éramos dois - não é sempre assim na infância? - em determinado sítio da Estrada metíamos para a direita e no meio de um descampado lá estava, uma duna que a memória infantil faz dela maior ainda, metros e metros teria de altura, subimos e depois escorregámos pelas areia inúmeras vezes, era essa a magia, a praia no campo, é a Ribeira um conjunto de leiras humedecidas – às vezes inundadas – pela Ria, logo ali.

Uma infância curta e escassa de momentos como aquele que acabei de descrever amplia e ilumina estas coisas que se lembram. Uma infância não curta mas um pouco deserta, isso: eu subi ao Monte Sinai.
Fui o mês passado à procura do Monte Sinai. A Estrada da Ribeira tem dois tempos. Primeiro a Estrada para a Ribeira propriamente dita, que vai até à Capela de Santa Catarina. Estrada, ou melhor dito Rua que alarga aqui e ali porque a frente das casas servia antigamente como eira para a debulha do milho. Mais ainda na Rua do Cruzeiro, que parte da Capela de Santa Catarina em direcção para a Marinha. Eu vi, eu vi as ruas de que falo afogadas com espigas e espigas de milho, um carreiro ao meio para que de ruas pudessem ainda merecer o nome.

Da Capela de Santa Catarina para Sul é a Estrada para o Cais da Ribeira, que quase é um pontão que progride por entre terrenos não raras vezes alagados, o Cais uma estrutura rectangular onde hoje, às vezes, ainda há uma carcaça de um moliceiro, haverá quem as rode, nem sempre é a mesma, parece-me.

Não encontrei o Monte Sinai da minha infância. Destruído, aplanado, construído por cima, não sei. Não sonhado. Eu sei que ele esteve lá naquele dia em que escorreguei por ele abaixo todas as vezes.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Treze de Julho.

'O viajante reconhece o pouco que é seu, descobrindo o muito que não teve nem terá. '

Fala de Marco Polo em 'As Cidades Invisíveis', de Italo Calvino.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Onze de Julho.

Portugal mudou. Agora metemos gasóleo na Rede Poupança. Simples, gasóleo simples, os aditivos afinal uma espécie de imposto aplicado pelas empresas de combustíveis que, como muita medicação, nunca se comprovou servissem para o que quer que seja. Um posto da Rede Poupança fica ali na Rua de S.Dinis a descer para o Carvalhido. Vou lá bastas vezes. O depósito cheio, viro depois à esquerda e derivo para a Travessa 9 de Abril, exercendo a prioridade que eu tenho sobre quem quer subir da Rua Nove de Abril pela Travessa da Bica Velha. Sonhei ou por ali há mesmo um fontanário? Este rearranjo das ruas fez terminar a Rua 9 de Abril como se um quelho fosse. Depois à direita a Rua de Monsanto, com a elevada Auto-Monsanto que tantas vezes devolveu à vida um certo e determinado Citroen AX. Depois rodear um bairro em cuja escola votei muitos anos e ganhar a recente rotunda, um exagero circular que me oferece o destino que eu quiser.
Assumir a prioridade quando se toma a Travessa 9 de Abril é uma coisa que eu conheço desde sempre. Antes fazia ao contrário e ainda com maior descaramento, vindo do Carvalhido e a subir S.Dinis, invertia para a Travessa e fazia parar com valentia quem subia da Bica Velha. Faziam, que eu acompanhava, sentado ao lado de. Hoje desço S.Dinis depois de reabastecer, conduzo eu e, depois de tomar a Rua de Monsanto, não há nenhum lugar de garagem à minha espera, sim uma rotunda, o mundo. Et voilà.
Ah, e somos Campeões da Europa de Futebol.

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Um de Julho.

Não foi um dia fácil de consulta. Muitos doentes mais suas queixas periféricas, digestivas, cutâneas, auditivas. A lentidão do "sistema". O sono porque foi uma noite mal dormida.
Lá fora cortavam a relva. E o som do cortador de relva lembrava-me da existência de um mundo exterior e que a consulta, tarde ou cedo, acabaria. Era um som amigo, uma distração, um alivio. 
Saí da consulta por uma das muitas razões que às vezes é conveniente sair de uma consulta. Quase fui atropelado por um ainda jovem médico que vituperava os computadores, oh os computadores!, e "um lunático que lá fora não pára de cortar a relva, como é possível!". Que não ouvia os doentes, que não os ouvia! Voltei para dentro, a relva continuava a ser aparada, na realidade não era fácil auscultar assim, mas também porque o ainda jovem médico continuava aos berros; ouvia-o bem apesar do aparar da relva e dos ruídos adventícios. 
Pensando bem, eu acho que o problema do ainda jovem médico não era ouvir os doentes mas sim - oh prazer, oh ventura! - ouvir-se a si próprio!

terça-feira, 21 de junho de 2016

Vinte e Um de Junho.

Volto ao pinchazo de domingo. 
Quando ele aconteceu levava eu na mala um saco de compras do Continente. Desapareceu-me o fiambre da perna extra. 

PS.: e será "fiambre da perna... extra" ou "fiambre... da perna extra"? A vida, uma eterna interrogação... Ontem, para reparar a perda, fui obrigado a comprar finíssimas.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Vinte de Junho.



Quando os dias não são bons pode uma palavra dar-lhes salvação? Ontem tive um furo à hora de almoço. Não um furo qualquer mas um daqueles que logo te esvazia o pneumático todo. Nunca mudara um pneu neste carro. Pareceu-me um mistério de difícil solução. A roda suplente, uma roda com cariótipo programado para apenas devolver ao carro a autonomia qb para chegar a uma garagem, repousava sob coisas antigas como cadeiras para bebé, garrafas de Monte Velho, um para-vento, lixo diverso. Sobre a jante estacionei à porta de uma pizzaria cara e onde o dono só fala italiano para os estrangeiros que nós não éramos. Comi mal. Mas o pior estava para vir.

Como já disse, a jante do Seat parecia-me não ser acessível aos parcos instrumentos que o losango dentro da roda suplente forneciam. Mandei a minha filha estudar para casa e veio ter comigo um obeso rebocador, nado e criado na freguesia de Paranhos da cidade do Porto. Afinal a intransponível jante abriu-se nas mãos do “meu amigo” com um pequeno ganchinho que revelava os grossos pernos habituais. Eu bem tinha referido ao telefone – em vários telefonemas que tinha feito – que as cabeças que recobriam os pernos tinham no meio um fino orifício sextavado… Perguntaram-me por telefone: “O que é isso, sextavado?” Indignei-me. Sextavadas ao não as cabeças que recobriam os pernos eram de fácil remoção. E o obeso condutor do reboque levou-me sessenta mocas pela aula. E segui para a Norauto.

A Norauto fica perto do Marshopping. E caminhar faz-me bem. A pé a Norauto não fica assim tão perto do Marshopping. O Marshopping tem uma Fnac e uma Bertrand. A Fnac tinha quase toda a discografia da P.J.Harvey em promoção. E o quarto volume daquela saga da Elena Ferrante. A Bertrand não tinha nem uma coisa nem outra. As obras no hall do Marshopping são angustiantes. Saí para a rua. Fazia uma brisa agradável e a Norauto telefonou-me: pneu insalvável, “Goodyear ou Michelin?”. “Goodyear.”, respondi. E fui lanchar ao Leroy Merlin. Há coisas tristes na vida e umas estarão acima e outras abaixo de lanchar no Leroy Merlin. Mas confirma-se: é triste lanchar no Leroy Merlin. Porém a multidão era menor e não me restava alternativa.

Recebi o carro com rodados novos pelas 18h30m. Fui recuperar a companhia da minha filha, jantei em São João da Madeira e – lá – vi o filme “Capitão América – Guerra Civil”. Vimos nós e mais ninguém, pois mais ninguém havia na sala. O filme é basicamente um filme de porrada fina, no sentido em que os filmes do Bud Spencer e do Terence Hill eram de porrada grossa. Tem bons actores e fala mal da ONU, o que está certo. É de uma banalidade atroz elogiar os efeitos especiais.

Antes do filme – e porque o alarme de pressão dos pneus tinha acendido na viagem, o que sempre acontece depois de qualquer revisão ou mexida no carro – fui rever a pressão dos pneus na Repsol ali ao lado. Pressão cujos valores desejados eu desconhecia. Comecei a aferir para a pressão “que estava”. A Cata saiu “para ver”. E disse-me, nonchalante, “Acho que as pressões “é” 2.4 à frente e 2.2 atrás. Vi no tampão da gasolina”. Isto é o que eu chamo trabalho de equipa. Tinha portanto estado a esvaziar os pneus, voltei a enchê-los, reset, ok.

Ao sair do filme esperavam-nos um segurança, o rapaz da porta do cinema, um rapaz da limpeza. Na viagem de volta como na anterior, qualquer solavanco fazia-me temer o pior, um segundo furo, sei lá. Nunca tinha reparado como as nossas auto-estradas têm um piso tão irregular, eu diria traiçoeiro.

Deitado na minha cama, uma e meia da manhã, pensei “Não há bem que sempre dure, mas também não há mal que não acabe! Que puta de dia mais sextavado!” E adormeci.

segunda-feira, 13 de junho de 2016

domingo, 12 de junho de 2016

Catorze de Junho.

As Divisórias Continentais separam as várias bacias hidrográficas no que diz respeito aos mares para onde correm os rios.
Na Europa estas Divisórias dividem a Europa em duas - com um pequeno rearranjo que o faço eu: o Norte e o Leste da Europa, arroupado pelos rios Reno, Elba, Danúbio, Dniepre e Don, drena para os mares do Norte, Báltico e Negro; que os dois primeiros sejam Atlântico e o último Mediterrâneo não conta para este conto. Para baixo rios como o Ebro, o Ródano e o Pó desenham o Sul Europeu correndo para o Mediterrâneo mesmo. O Oeste drena para o Atlântico "proper": a maioria dos rios franceses e dos rios ibéricos. Eu associaria este Atlântico aberto e glorioso ao Mediterâneo antigo. O Reino Unido aqui não conta para esta equação, nem sendo preciso referendar a coisa. O Volga corre para o Cáspio e já é portanto um "rio sem mar". Um rio Europeu a ensaiar a Ásia logo ali.
Assim vista a Europa divide-se num Sudoeste e num Nordeste. Falta saber se assim é no coração e na mente dos povos.
É dito que o saber não ocupa lugar; mas leva tempo a adquirir. Numa segunda leitura do longo e interessante livro de Claudio Magris que dá pelo nome "Danúbio", aprendo que as nascentes do Danúbio, na Floresta Negra, sofrem à frente, numa zona de karst, um desvio importante do seu caudal para o jovem Reno que corre ali perto. Eis o Norte a alimentar-se das águas do Leste. Assim a Europa?

terça-feira, 31 de maio de 2016

Trinta e Um de Maio

Vi ontem em consulta o Sr. Pereira. É como eu um fervoroso amante do ciclismo. Viúvo, despachado. Não se lembrava de me ter contado do seu último internamento, Agosto de 2015. Não se lembrava de me ter contado ter-se devido esse internamento a determinada medicação, não o cinquenta mas o cem, que ele tomara, porque ele há umas romenas naquela rua está a ver o Sr. Doutor ali por trás de, e eleas metiam-se connosco e o cinquenta já não funcionava e o meu médico de família disse pronto!, homem, vá lá, tente o cem, uma vez não são vezes, e nunca a palavra "Homem" terá sido tão pesada, foste tu que o viste e o internaste, Alexandra Baptista, mas ele a ti nada contou. Não se lembrava nem de uma coisa nem de outra mas o que mais me preocupou foi não termos falado de ciclismo. Não se terá lembrado! 
Será o princípio do fim para o Sr. Pereira? 

segunda-feira, 23 de maio de 2016

(quase) Vinte e Quatro de Maio.

Se formos pela definição estrita, o meu pai já não tem sobrancelhas. Estas são habitualmente descritas como um desenho harmonioso de uma população pilosa que sublinha mas por cima os olhos e o que eles mais fazem, que é olhar. Essa harmonia é quase sempre domesticada, redesenhada, na mulher, acrescentando ao artifício que - quase sempre - define o olhar feminino. No meu pai essa harmonia já não está, desapareceu, foi-se embora. Porquê? O meu pai quando olha reconhece e cumprimenta, sem mais. Tudo o que era para dizer por ele está assim dito. O que haveria mais de especial para ele dizer? Especial é toda a vida e ele já comprou todos os volumes da mesma e dispensa leitura adicional. O meu pai hoje por hoje só faz releituras. 

Invejo-o, às vezes. Mas não desespero. Agora que reparo, estão cada vez mais desorganizadas  as minhas tão desanimadas sobrancelhas.


Vinte e Três de Maio.


Acho que é desde sempre que eu sei que existe um rio Alfusqueiro e que ele é o afluente mais importante do rio Águeda, rio que por sua vez duplica a água do rio Vouga quando nele termina.

O leste do concelho de Águeda é eucalipto's land. Começamos a descer e, numa curva da estrada aparece uma ponte e, debaixo, o rio Alfusqueiro. "Olá!", disse-me ele, "Estava a ver que nunca mais aparecias!".
Logo após a ponte, à esquerda, há uma zona arborizada onde estaciona um barraco, o "Amazing Bar"; onde fomos pedir dois gelados. Que não, ainda não tinham vindo, a abertura do "Amazing Bar" para a época do bom tempo tinha sido naquele dia, estava ali a rapariga mais meia dúzia de amigos, a música a sair da janela aberta de um carro, para que o fim-de-semana português ficasse completo. "Mas voltem, para a próxima prometo que tenho gelados!". E sorria, a rapariga do "Amazing Bar" que fica junto a um rio que cria ali um breve intervalo nos eucaliptos sem fim.

E é com tão pouco que seguimos em frente.






domingo, 15 de maio de 2016

Catorze de Maio.

Ontem foi Treze de Maio. E sexta-feira. Grande notícia a incerteza sobre a vinda do Papa Francisco ao Santuário, para o ano que vem. Outrossim não é revelado o lucro anual do Santuário. Que - o milagre que subjaz - para o ano vai ser Centenário. Mas não há milagres. E ontem ficou mais uma vez ratificado.
A D.Rosa tem 75 anos. Mulher de um homem só, cinquenta anos. Casado ele mas não com ela até há pouco tempo. Morreu-lhe a esposa, mudou-se para a casa da D.Rosa. Mais velho uns anos. "O amor é cego e foi para ali que eu virei", "mas estou cansada, ele a cantar de galaró e eu tão habituada a estar na minha casa sozinha!". Se ele repetir ela põe-no no olho da rua. Mulher de um homem só, mas não é parva.
O Sr. Paiva pediu-me ajuda para uma coisa: religioso, reza as suas orações todas as noites. Duas, mais precisamente. A primeira sai-lhe muito bem. Quer arrancar com a segunda e não se lembra, hesita, engana-se nas palavras. Corrigi-lhe a dose da sertralina matinal. Conversei com ele um pouco sobre a fisiopatologia da memória e ele pareceu-me que entendia.
Em Bertiandos está o Pai de todos os solares minhotos, o Solar de Bertiandos. A torre central é quinhentista e a esta estão acoplados não um mas dois solares, pois a família numa determinada fase era constituída por dois ramos desavindos, no séc. XVIII, época da edificação das duas semi-casas. Que se equilibram uma à outra, a torre no meio do xadrez como âncora.
A frente do Solar é o postal de muitos conhecido. Rodeei por poente e cheguei a um portão de serviço que estava amplamente aberto. Entrei um pouco. As várias dependências de serventia para a casa agrícola não destoavam, antes completavam o conjunto. E assim fiquei a saber que o Solar de Bertiandos não é só uma fachada mas um todo coerente. Assim quem mais?

sábado, 30 de abril de 2016

Trinta de Abril.

Voltei ao silêncio. Que não à ausência de ruído. Ainda agora um camionista me disse bom--dia, directamente da vci.
Morei já em tantas casas, tantas. Morar é ter um registo codificado para onde as cartas vão.  Uma rua e um número - ' de polícia' - um andar, se é assim, um lado. E um código, postal. Mas... que cartas?

Levando Cristo a Cruz pelas ruas de Jerusalém pediu ajuda a um sapateiro que lha negou. Amaldiçoado, assim nasceu o 'judeu errante', pois a maldição foi 'nunca pararás'. Esta lenda 'humaniza' o Cristo ao fazer dele, no suplício da Via Sacra, alguém que não perdoa. A etimologia de 'errante' é a mesma de 'erro'. O caminho do errante é uma eterna tentativa de correcçäo. Correcto aquele que corrige. Erra (caminha e caminha) aquele que vive a tentar corrigir.

terça-feira, 26 de abril de 2016

Vinte e Seis de Abril.

Lembro-me de uma conhecida de ocasião me descrever Marco de Canavezes como sendo 'verde, verde, tudo verde'.
Ontem foi o dia da festa. Mas o que vem depois é que importa. Ir até ao Marco é fácil. Embora não fosse o meu objectivo do dia decidi voltar a espreitar a Igreja de Santa Maria, obra de Siza Vieira, até para confirmar que lhe conhecia bem o caminho. Foi fácil encontrá-la. Marco de Canavezes é uma pequena cidade que se desenvolve numa encosta que vê do outro lado a Serra da Aboboreira. Vira as costas ao Rio Tãmega, poderoso afluente do Douro. Junto ao Tãmega ficam as velhas Caldas de Canavezes, em renovação. Portanto, esta terra começou junto ao grande rioo mas depois terá preferido a segurança de uma encosta. O Marco é cidade, bonita ou feia - escolham - em parte por culpa de um autarca que o/a governou 22 anos. A Igreja de Santa Maria é, já disse, fácil de encontrar - não percebo como há três anos passei três quartos de hora à sua procura. Está rodeada pela típica construção cívil apressada portuguesa dos anos 80-90. Não sei se Siza contemplou esta condicionante. Parece que sim. É engraçado o quanto se discutiu o entorno da Casa da Música no Porto, sendo que esta, pela volumetria, sobreviveria bem praticamente a qualquer merda que lhe pusessem à volta.
Mas a verdade é que o Marco tem uma igreja desenhada por um Pritzker e, já agora, lindíssima. Desta vez não entrei. O interior, avanço, é um deslumbramento. O exterior... tem problemas de humidade, reboco, etc. Siza não terá contado com o quanto chove no Marco? Há muitos anos visitei a Batalha e a degradação do revestimento centenário do mosteiro causou-me impressão. Tal a Igreja de Santa Maria, com a diferença de ter apenas vinte anos de construída. Paradoxalmente os edifícios que a rodeiam - os tais de péssima qualidade - parecem melhor conservados. E a serra, claro, essa não tem qualquer imperfeição. As casas de má qualidade criaram uma cidade. Onde a Igreja de Santa Maria parece estar a mais.

E pronto, o meu 'dia depois da festa' fez-me pensar nestes 42 anos que passaram, uma estranha mistura de Avelino Ferreira Torres e de Siza Vieira. Talvez a solução para este estranho divórcio no coração das gentes esteja algures por aí no virar de uma esquina... que ainda não se virou.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Vinte e Cinco de Abril.

Hoje é o dia certo para não falar de hoje mas de ontem.
Ontem fomos jantar a Ovar. Até aí nada de anormal. Derivei para o Carregal, passei na Cova do Frade na antiga casa dos meus avós paternos, virei à direita no Alto do Saboga e outra vez à direita na casa dos Pescadores. Dá-me um certo prazer a enumeração sucessiva dos lugares e das coisas. Quando somos pequenos o nosso mapa faz-se deles, só depois virão as terras, as cidades, os países. A rua da casa dos Pescadores termina num ziguezague que desce para uma zona esquecida de Ovar onde estão as traseiras de alguns armazéns e fábricas, nomeadamente da antiga Socotil, a fábrica que fazia figuração no filme 'Mudar de Vida' do Paulo Rocha. Avancei um pouco para além do fim do asfalto e estacionei. Se não me engano a Socotil foi construída em terrenos do meu avô. O caminho passou rapidamente a ser de areia: Ovar tem debaixo de si uma praia. À direita escalámos um pouco e entrámos num terreno mal delimitado mas que um espreitar de verde ao fundo confirmava: o pinhal do meu avô começava ali. Que restava dele? Quase nada. Sendo um terreno declarado como 'agrícola' quase no meio de uma cidade, é praticamente 'invendável'. Sendo assim vendeu-se a lenha, mais eucalipto que pinho, sempre era dinheiro.
Caminhávamos em direcção ao verde, aqui e ali jovens eucaliptos e austrálias. No fim uma pequena descida e uma barreira espessa de austrálias marca a transição para o terreno agrícola, onde me lembro de muito milho, e do meu tio António de enxada a dirigir os regos de rega. Ontem não, só um mar de pasto verde até à casa-mãe, até ao poço, até à vacaria, à pocilga. Um ondulado marca onde antes havia caminhos, videiras. Há um, dois anos, eu e o meu pai visitámos a casa, a parte mais antiga, o piso de baixo, com as paredes corroídas. Fiquei então com a impressão de que a grande casa não iria durar muito mais.
Bom, estava a ficar tarde para o jantar marcado. Engraçado como o pequeno ressalto em que o enxame de austrálias prende me parecia grande quando menino. E as árvores, os pinheiros e os eucaliptos, que altos eram e como faziam grandes os homens que de mãos nos bolsos as mediam com o olhar, o meu avô, o meu pai, os meus tios. Hoje grande serei eu mas não restam árvores para medir com os olhos e me darem paz, paz que eu possa levar de volta, as mãos nos bolsos.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Dezoito de Abril.

Jantei num centro comercial onde um negro passeava com um chapéu de palha e, por cima deste, uns óculos de sol. Não sei se é correcto logo dizer assim 'um negro'. Talvez pudesse ter começado com 'um louco' ou, melhor ainda, com 'um optimista'. De qualquer das maneiras a sua figura expansiva tomava posse da praça da alimentação.
Por falar em alimentação, precisei de ir comprar alguma à Bertrand, mais concretamente um livro, 'O Bosque', de João Miguel Fernandes Jorge. É uma espécie de diário, já o tinha folheado e dele tirei a ideia para este blogue. Hoje comprei-o. Vai adormecer-me, o que não está fácil. Aqui não há bosque nenhum, vejo tudo bem e claramente entendo. Folheei ainda as obras completas de António Gedeão, procurando o famoso poema do fecho éclair sobre el-rei D.Filipe II, que tinha tudo excepto. Whatever happened ao conhecimento automático antigo de que havia um António Gedeão e era poeta? O Sr.Andrade nunca tinha ouvido falar dele, uma vida SÓ de trabalho para agora gozar o bem bom mas, ai, completamente paralisado do lado direito. Sem o que lhe responder lembrei-me do tal poema, o Sr.Andrade dizia que de mal acontecera-lhe 'tudo'. E a mim de mal hoje não me aconteceu nada!

domingo, 10 de abril de 2016

Dez de Abril.

"Morrer mas devagar!" Diz a história que assim se despediu da vida el-rei D. Sebastião e com ele o seu reino. Esta frase tem-me preenchido os dias. Estou a ler a biografia de D. Sebastião escrita por Maria Augusta Lima Cruz.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Quatro de Abril.

(para a Vera)

'Material obtido por trituração de rochas e utilizado na preparação de betões e na pavimentação de estradas'. O betão é a base. Gosto de pensar que foi pre-esforçado, que não me dá apoio sem experiência prévia. Pre-esforçado é giro. E é preciso o tal do pavimento para o caminho. Enfim, eu não sou esquisito mas, como já disse, viver é acrescentar. Daí a brita. No que diz respeito à tal de Britta, isso é uma outra mas velha história.

domingo, 27 de março de 2016

Vinte e Sete de Março.

Não me levanto de noite para urinar e o jacto é-me fácil. Não faço nenhuma medicação diária e ainda não comecei a fazer a contagem regressiva dos que caminham, correm, doam o seu dinheiro para a causa num ginásio qualquer. Como sem cuidado excessivo. Ao fim de dez anos de um horrível percalço, voltei a viver desidratado. Leio bem sem a ajuda de óculos. O braço afasto um pouco mas ainda e só na justa medida. Escrevo isto num telemóvel que seguro com uma só mão, usando sem erro o polegar. Ganhei uma pequena barriga, eu sei. Tenho, porém, mais gases.

Sei o mês em que estou mas também a idade que tenho.

quarta-feira, 23 de março de 2016

Vinte e Seis de Março.

Segunda-feira foi um dia razoável. Sustentou-o um doente que me ofereceu a versão contada pela sua mãe do famoso "milagre do sol", que ela terá presenciado. 
Antes de Fátima havia a Cova da Iria. A mãe do meu doente é da Cova da Iria. E aqui vai:


O sol era um sol normal. E depois escureceu. Havia uma figura que se achou que era Nossa Senhora. O escurecer pode ter sido nuvens. E depois veio um brilho enorme e flamejante e começaram a cair pétalas de flores e começou toda a gente a apanhar as pétalas e no regaço as pétalas desfaziam-se em nada, depois acabou tudo, e o resto já nós sabemos. Em Fátima come-se bem.

Dizem os inteligentes que o milagre não consistiu nos efeitos especiais mas sim na convocatória, a Senhora tinha anunciado um sinal e ele veio, enfim.

Que Deus ou uma figura a pairar sobre uma oliveira nos valha é indiferente, desde que haja alguém a quem pedir auxílio.

Nós, os que não acreditamos, sabemos apenas que é sábado e que há ainda e sempre um muro de frio e de chuva e de vento pela frente, neste ano, no próximo e no a seguir.

sexta-feira, 4 de março de 2016

Quatro de Março.

A doença pode dominar uma vida, ou melhor, podia. Hoje é diferente. A doença hoje é uma coisa rápida. Ele há antibióticos, ele há medicamentos que se não resolvem anulam os sintomas e reduzem a doença ao silêncio. Ou então não há solução outra que não acabar o jogo. Ou melhor, o jogo acabar connosco. Antigamente não era assim. A doença podia acompanhar os dias e estes serem muitos. Antigamente as soluções eram poucas e outras. Como o Caramulo. Que tem a maior das paisagens, toda a Beira Alta. E toda a Beira Alta então não era demais.




Nem sempre a vista da Beira Alta do Caramulo chega até à Estrela. Que, estando com neve, se verá assim.




Saint-Exupéry desenharia melhor.

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Vinte e Nove de Fevereiro.

Ontem comecei o dia com um transporte de uma pessoa saudável. Outros não poderão dizer o mesmo. Depois dirigi-me a uma filial credenciada de uma empresa de telecomunicações para resolver dois pequenos problemas. Resulta que "estavam sem sistema". Eu, que vivo sem sistema desde que me lembro, perguntei-lhes porque estavam abertos. É curioso como estas pequenas contrariedades me transtornam. Recuperei as minhas funções de transporte e, ganhando o tempo devido ao almoçar no carro, e porque eu queria ver a neve na Serra da Freita, consegui passar a Farrapa às duas da tarde e começar a subir para a dita Serra logo depois. ali onde rodamos à esquerda e logo depois um desvio para a direita começa a subir a sério. Eram já uns quantos carros a subir em fila mas nada de especial. Na Farrapa dois restaurantes tinham estacionamento à porta. Pensei para mim que à volta isso podia ser um problema. A subida termina com o acesso ao planalto da Freita, onde farrapos de neve se distribuíam por todo o lado, a contento das gentes que por aqui e ali estacionavam. Os pontos mais altos estavam completamente cobertos de neve. A fila de carros agora já era compacta. Parei onde consegui para não atrapalhar a avidez alheia de diversão e eu e a minha filha fomos enterrar os pés na neve. Divertimo-nos assim aproximadamente vinte minutos. Depois voltei a entrar na fila para, com a ajuda da Protecção Civil, fazer inversão de marcha no Merujal. Nunca tinha descido da Serra da Freita pelo caminho de subida. Habitualmente seguimos por ela adentro até terminar a norte e descer para Arouca. A descida em direcção - outra vez - para a Farrapa é deslumbrante. Lá em baixo era verde e havia sol. Com a neve ainda à minha direita parecia estar a conduzir entre dois mundos. Num dia mais aberto ver-se-á o mar. Descia cinquenta minutos depois de ter subido. Constatei, assim por largo, uma fila de automóveis de uns cinco quilómetros a querer subir. Não havia neve que chegasse para esta gente toda. Claro que o estacionamento nos restaurantes da Farrapa atrapalhou o desaguar do trânsito. Eu bem sabia. Utilizei para voltar - como tinha utilizado antes em sentido contrário - aquela famosa autoestrada que desnecessariamente liga Gaia a Oliveira de Azeméis. Que me permitiu estar a entrar na cidade do Porto vinte minutos para as quatro. Não percebi bem de que lado do Parque da Cidade tinha que fazer a próxima entrega e este não entendimento provocou alguma distimia. É curioso como estas pequenas contrariedades me transtornam. Meia hora depois das quatro estava em casa e adormeci. Duas horas depois procedi a nova recolha e o novo destino foi Ovar. Ovar estava a sobreviver surpreendentemente bem ao frio. A cadela que dirige os destinos de Ovar ficou sem assunto de conversa ao fim de quarenta e cinco minutos de carinho mútuo. O jantar foi de uma abundância superlativa, embora o arroz, como sempre, estivesse frio. Não consegui - não conseguimos - evitar o visionamento de um canal televisivo generalista onde habilidades eram travestidas como arte. A retirada foi antecipada e estratégica. No Porto o SyFy terminava a "Idade do Gelo" e noutro canal corria "The Americans". Deitei-me, tentei folhear "Alexis" de Yourcenar mas não consegui.

Duas perguntas acompanharam-me durante todo o dia. As respostas não tiveram a decência de comparecer ao encontro.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Vinte e Cinco de Fevereiro.

Ontem aconteceu uma coisa engraçada. Enquanto esperava no corredor da Estomatologia que a minha filha fosse agraciada com a superior atenção do seu Estomatologista, meu antigo Professor, comecou a nevar. Entenda-se que aquilo que eu chamo nevar, e que efectivamente aconteceu, foi apenas uns fiapos de neve que desceram do céu durante uns meros cinco minutos e que mal tocavam no chão desfaziam.-se em água. O Hospital de que falo fica numa zona alta e que já foi desabrigada. E não é a primeira vez que nele vejo nevar: é a segunda. Foram escassos minutos mas serviram para que o meu antigo Professor e Amigo brincasse: "Está a ver, este serviço é tão bom que até tem efeitos especiais, contratados de propósito para o dia em que a sua filha nos visita!".

E talvez seja assim a felicidade, cinco minutos.

Hoje, porém, lembrei-me de outra coisa, neste caso de um livro, e um livro que já li mais do que uma vez, "O Raio Verde", de Júlio Verne. É uma história de amor e gira em torno de um muito improvável "raio verde" que - só em circunstâncias muito especiais - o Sol emite logo antes de se esconder de vez para lá do mar, no crepúsculo. O "raio verde", uma improbabilidade da física, servirá de testemunha abonatória para um amor maior do que o tempo, uma improbabilidade da química. Portanto, é talvez possível que a felicidade possa durar mais do que cinco minutos. Em alguns casos, pelo menos.

O que sim tenho dúvidas é se mereço, sendo eu um fugidio e instável elemento desta má espécie humana, as palavras que hoje ouvi.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Vinte e Três de Fevereiro.

É curioso como construímos uma memória à volta de um filme que depois, ao revê-lo, não vamos efectivamente encontrar.
Ontem foi um dia cruel, porque nulo. Decidi à noite ver uma das últimas obras de Elia Kazan, "The Arrangement". Tinha uma memória confusa de um Kirk Douglas e uma Faye Daunaway a passear nihilisticamente à beira-mar num apartamento em construção. Não havia nenhum apartamento em construção em duas horas de filme. À beira-mar havia pedaços de filme com uma seminudez atípica - porque em Elia Kazan. Numa espécie de aggiornamento. E, como alternativa, junto a um pavilhão já construído Kirk Douglas passeia mas com a esposa eternamente humilhada, uma Deborah Kerr a quem ele não pára de maltratar, chegando ao ponto de a insultar dizendo-a mais bonita do que! Meu Deus! Duas horas de um angustiado, autobiográfico e aborrecido filme. Safava-se a Faye Dunaway, claro! Vinte e sete anos de Faye Dunaway!


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Dezoito de Fevereiro.

Estou a ver snooker na televisão. Ontem de manhã vi como Ronnie O'Sullivan despachava Tian Pengfei com 4-0, breaks de 110, 90, 102 e 112. O Ronnie é um pouco vaidoso e, para manter a franja do penteado mas sem que esta lhe atrapalhe o trabalhinho, jogou com um gancho no cabelo. 
Já passei a Marisa Monte na música do carro, o que é bom.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Quinze de Fevereiro.

Ontem foi um dia muito interessante. Fui almoçar a um indiano. Voltei para casa. Semi-deitei-me no peludo que reveste o chão enquanto a minha filha completava um trabalho escolar. Decidi acabar de ler um livro de Alvaro Cunqueiro chamado o "O Ano do Cometa". Este curioso livro de um dos mais conhecidos escritores galegos mistura livremente realidade e fantasia, com absoluta preferência por esta. Está maravilhosamente bem escrito. De vez em quando doia-me o rabo. E às vezes adormecia. Talvez estas pequenas realidades tenham-me indisposto contra o livro de Cunqueiro pois acabei por não o acabar. Ao fim da tarde fomos encadernar o trabalho escolar a um shopping e depois rumámos para Ovar. Parte de Ovar estava às escuras, nomeadamente a parte correspondente às ruas José Falcão e Alexandre Herculano e adjacentes para ocidente e norte. O resto de Ovar tinha a sua iluminação normal, confirmámos. A ausência de iluminação pública e nas casas em parte de um vila dá-lhe um aspecto dicotómico. Em casa dos meus pais acabava-se o - nosso - jantar à luz da vela. Esta ausência de luz é sem apelo: não há gambiarra que se estenda de um lado para o outro a paliar a escuridão. A luz ou tem-se ou não se tem. Vinte minutos depois veio - voltou. Ainda fez uma ameaça de voltar a desaparecer - a luz -  mas foram só dois minutos de suspense. Imagino que esteve uma equipa num posto transformador qualquer a remediar e resolver a situação. E resolveu.

A luz, e outras coisas, é isto: ou tem-se ou não se tem.

PS.: eu sei que "tem-se" soa merdoso mas...

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Doze de Fevereiro

Ontem fui aos correios mandar uma carta. Que o não era mas dois documentos que me tinham sido pedidos para saldar uma dívida antiga. De onde vivo até aos correios de Pedro Hispano é um pequeno passeio. Não chovia.
 
Os correios têm agora esta coisa de venderem livros e discos e cautelas. A coisa dos livros é interessante pois permite, enquanto se espera, ir folheando alguma coisa. Permite sobretudo confirmar que aqueles autores comerciais de que tanto não gostamos e que muito maldizemos são efectivamente maus. Lê-se duas ou três páginas e já está. São uma merda, sim senhor. Um senhor à minha frente lia um livro de divulgação sobre os dinossauros.
 
À volta meti por um caminho diferente e, mais uma vez, não entendo o que faz um monumento à violoncelista Guilhermina Suggia num relvado impecável num condomínio fechado. Podemos admirar o monumento de longe, por entre o gradeamento. Guilhermina Suggia está entre as duas dúzias de portuenses mais ilustres que o tempo produziu. Merecia mais e que fosse num espaço PÚBLICO.
 
Voltei para casa. Gostava também que os jovens desta minha cidade não cuspissem tanto para o chão.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Cinco de Fevereiro.

Levamos, amigo, décadas a falar e a não falar do mesmo. O mesmo tom, as mesmas hesitações, o mesmo entusiasmo, às vezes suicidário. O teu cansaço não é o meu cansaço. A tua derrota não é a minha. Mas não mudaste. Não mudámos. E isto é a primeira e a última, a perene vitória. Embora, hoje por hoje, me pareça que dás mais atenção ao activador do plasminogénio tecidular.

sábado, 30 de janeiro de 2016

Trinta de Janeiro.

Nunca mais chega, nunca mais. Até que, nem cinquenta minutos passados, reparas, e é o fim que chega. Agora acabou, pensas. E recebes a verdade como um soco.

domingo, 24 de janeiro de 2016

sábado, 23 de janeiro de 2016

Vinte e Três de Janeiro.

"...não tinha nem pés nem cabeça!".

A quinta da Gruta é em Castêlo da Maia. Não sei o que era antes. Tem as mais bonitas camélias à entrada, defendidas por um Smart ali estacionado e um seguranca da Chiron. Depois há uma pérgula sob a qual desce uma escada que dá acesso a uma escola ambiental, uma horta comunitária, duas quadras de ténis, uma piscina, uma cafetaria, um parque infantil e um cercado onde há ovelhas, cabras, patos e gansos. Não tem pés nem cabeça que não se possa passear por entre as pequenas hortas. Nem ter ali dois gansos, dois pobres gansos que, animal territorial como poucos, grasnam ameaçadoramente a todo e qualquer maiato que se aproxime a menos de dez metros. O segurança da Chiron quase se ria ao vigiar a nossa retirada. Fiquei a gostar da quinta da Gruta porque, vendo bem, tem várias coisas sem pés nem cabeça. E tem as camélias mais bonitas que eu vi em anos. 

As coisas sem pés nem cabeça têm preenchido os meus já largos anos. Os pés, os meus, assimétricos, são acessórios não demasiado essenciais. A janela à minha direita permite-me todo o andar que quero. E a cabeça? Highly overrated, if you ask me. Vickie, o pequeno viking, pensava com o nariz. Coisas sem pés nem cabeça, venham, venham! Fico à vossa espera.

Atentamente.