quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Catorze de Dezembro

Em Trás-Os-Montes diz-se assim: "de Jou para Jales". O que quer dizer: andar de um lado para outro, sem resultado prático. Naquelas terras o esforço é muito, o produto nem por isso, qualquer desperdício, de tempo, forças, dinheiro, bem malvisto. Por isso andar "de Jou para Jales" não é bom. Não será. Mas... nada como experimentar. E, como, vendo bem, metaforicamente, assim tenho ido por estes últimos meses afora, interessava conhecer Jou e Jales, e o caminho entre, para entender melhor o adágio trasmontano.

Jou fica no extremo norte do concelho de Murça. É uma aldeia que - como todas - já conheceu melhores dias. Envolta em nevoeiro, permitiu que eu lhe conhecesse o miolo sem que um cão, um galo, uma qualquer cabeça de gado, se incomodasse com a minha presença. Cumprimentei um homem, idoso, que conduzia a sua motocultivadora mais seu reboque. A epidemia das motocultivadoras em Portugal terá nascido de várias coisas, uma delas não haver dinheiro para um tractor. Sempre as vi com um reboque atrás, um homem ou uma mulher bamboleando em cima delas enquanto as conduzem sobre um centenário empedrado. Resumindo, nunca vi uma motocultivadorra a motocultivar. Claro que a questão estará em mim que pelos empedrados ando mas os campos não frequento. 

E Jales? Jales não existe, para complicar as coisas. Jales lembra as minas, claro. o ouro dos romanos e que, dizem, viriam agora uns canadianos resgatar do olvido. Houve na antiga e bem mais poética divisão dos concelhos de Portugal, um concelho de Jales, com cabeça em Alfarela de Jales. Nessa divisão Jou pertencia a Carrazedo de Montenegro, hoje freguesia de Valpaços. Jales é um planalto onde medram Vreia de Jales, Moreira de Jales, Cidadelhe de Jales, Campo de Jales, etc.  O caminho entre Jou e Jales (Alfarela de) via Google Maps pede descer a Murça, cruzar o rio Tinhela e fazer as famosas curvas. Imerso em variável nevoeiro intenso não era dia de procurar viagens mais directas pelo que assim foi feito. Caminho mais recto implicará estrada em mau estado ou caminho, e na mesma cruzar o rio Tinhela, rio muito encaixado lá em baixo, como o atestam as ditas curvas. 

Feita a reposição de gasóleo em posto Galp em Murça - o gasolineiro pedia ao telefone que lhe mandassem mais óleo para motosserra que se tinha esgotado - segui para Alfarela de Jales. Estacionei no centro junto ao - aberto - Café Central. Cá fora garrafões de vinho e botijas de gás aferiam da amplitude de negócios do café. Um pequeno rebanho de ovelhas recolhia, algumas mulheres circulavam por aqui, por ali. Talvez o ser a hora um pouco mais tardia também influisse na presença humana nas ruas. Alfarela de Jales é uma aldeia maior do que Jou, pelo menos mais aglomerada - a freguesia tem menos habitantes mas um terço da área. Já foi vila e, como dito, cabeça de concelho.. Jales é um nome conhecido, pelas minas, é uma marca geográfica, como não há muitas em Portugal. É uma "terras de Basto" mais pequena - mas não um vale, sim um planalto. Passando Alfarela de Jales e o seu bairro de Cimo de Vila vemos uma pequena depressão que é o planalto de que falamos e que termina numa linha de eólicas de onde nos despenhamos para Vila Pouca de Aguiar.

Portanto: Jou não é bem Jales. Hoje (ontem), pelo menos. Vá de entender a cabeça dos trasmontanos antigos ao criar esta expressão. Seria canseira grande o caminho entre, para pouco ou nenhum progresso, de aldeia para aldeia, de curro para curral? Como digo, trasmontano não desperdiça. E se calhar mais lógico e bem pensado, o caminho a fazer sendo por Murça, ficar nesta que me pareceu ser uma simpática vila com duas ou três ruas antigas bem arrumadas e não desfeitas. Fica por conhecer o caminho "interior", por Carvas, com descida - possível? - ao rio Tinhela, e depois subida pela contracosta até Fontefria. Manias! Andarilhos somos nós os passeantes, os traseuntes. O trasmontano caminha, anda, sobe, desce muito, mas para. Em Jales uma simpática idosa perguntou-me se eu procurava alguém. Respondi-lhe que não. Menti, claro.

Jou.



Jales.


Sem comentários:

Enviar um comentário