quarta-feira, 20 de julho de 2016

Vinte de Julho.


Quando eu era criança havia na Estrada para a Ribeira um Monte Sinai.

Um pessoa à custa de contar histórias e histórias repete-se e repete-se. Se me prestam atenção sabem que Ovar está construida sobre areia. A praia de que falo vai até S.João de Ovar. Na Estrada que vai para a Ribeira havia uma duna alta com algum arvoredo mal preso no alto – lembro-me das raízes saidas na encosta da duna. Não sei quem me levou lá, éramos dois - não é sempre assim na infância? - em determinado sítio da Estrada metíamos para a direita e no meio de um descampado lá estava, uma duna que a memória infantil faz dela maior ainda, metros e metros teria de altura, subimos e depois escorregámos pelas areia inúmeras vezes, era essa a magia, a praia no campo, é a Ribeira um conjunto de leiras humedecidas – às vezes inundadas – pela Ria, logo ali.

Uma infância curta e escassa de momentos como aquele que acabei de descrever amplia e ilumina estas coisas que se lembram. Uma infância não curta mas um pouco deserta, isso: eu subi ao Monte Sinai.
Fui o mês passado à procura do Monte Sinai. A Estrada da Ribeira tem dois tempos. Primeiro a Estrada para a Ribeira propriamente dita, que vai até à Capela de Santa Catarina. Estrada, ou melhor dito Rua que alarga aqui e ali porque a frente das casas servia antigamente como eira para a debulha do milho. Mais ainda na Rua do Cruzeiro, que parte da Capela de Santa Catarina em direcção para a Marinha. Eu vi, eu vi as ruas de que falo afogadas com espigas e espigas de milho, um carreiro ao meio para que de ruas pudessem ainda merecer o nome.

Da Capela de Santa Catarina para Sul é a Estrada para o Cais da Ribeira, que quase é um pontão que progride por entre terrenos não raras vezes alagados, o Cais uma estrutura rectangular onde hoje, às vezes, ainda há uma carcaça de um moliceiro, haverá quem as rode, nem sempre é a mesma, parece-me.

Não encontrei o Monte Sinai da minha infância. Destruído, aplanado, construído por cima, não sei. Não sonhado. Eu sei que ele esteve lá naquele dia em que escorreguei por ele abaixo todas as vezes.

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