Hoje é o dia certo para não falar de hoje mas de ontem.
Ontem fomos jantar a Ovar. Até aí nada de anormal. Derivei para o Carregal, passei na Cova do Frade na antiga casa dos meus avós paternos, virei à direita no Alto do Saboga e outra vez à direita na casa dos Pescadores. Dá-me um certo prazer a enumeração sucessiva dos lugares e das coisas. Quando somos pequenos o nosso mapa faz-se deles, só depois virão as terras, as cidades, os países. A rua da casa dos Pescadores termina num ziguezague que desce para uma zona esquecida de Ovar onde estão as traseiras de alguns armazéns e fábricas, nomeadamente da antiga Socotil, a fábrica que fazia figuração no filme 'Mudar de Vida' do Paulo Rocha. Avancei um pouco para além do fim do asfalto e estacionei. Se não me engano a Socotil foi construída em terrenos do meu avô. O caminho passou rapidamente a ser de areia: Ovar tem debaixo de si uma praia. À direita escalámos um pouco e entrámos num terreno mal delimitado mas que um espreitar de verde ao fundo confirmava: o pinhal do meu avô começava ali. Que restava dele? Quase nada. Sendo um terreno declarado como 'agrícola' quase no meio de uma cidade, é praticamente 'invendável'. Sendo assim vendeu-se a lenha, mais eucalipto que pinho, sempre era dinheiro.
Caminhávamos em direcção ao verde, aqui e ali jovens eucaliptos e austrálias. No fim uma pequena descida e uma barreira espessa de austrálias marca a transição para o terreno agrícola, onde me lembro de muito milho, e do meu tio António de enxada a dirigir os regos de rega. Ontem não, só um mar de pasto verde até à casa-mãe, até ao poço, até à vacaria, à pocilga. Um ondulado marca onde antes havia caminhos, videiras. Há um, dois anos, eu e o meu pai visitámos a casa, a parte mais antiga, o piso de baixo, com as paredes corroídas. Fiquei então com a impressão de que a grande casa não iria durar muito mais.
Bom, estava a ficar tarde para o jantar marcado. Engraçado como o pequeno ressalto em que o enxame de austrálias prende me parecia grande quando menino. E as árvores, os pinheiros e os eucaliptos, que altos eram e como faziam grandes os homens que de mãos nos bolsos as mediam com o olhar, o meu avô, o meu pai, os meus tios. Hoje grande serei eu mas não restam árvores para medir com os olhos e me darem paz, paz que eu possa levar de volta, as mãos nos bolsos.
segunda-feira, 25 de abril de 2016
Vinte e Cinco de Abril.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário