Onde estão os meus diários de juventude? Por onde andam? Escritos com uma letra difícil de ler, letra difícil e que cada vez mais o foi até hoje quando, felizmente já não escrevo, só percuto teclas de um teclado de computador. Escrevi então coisas que não mais esqueci. Escrevi, por ex., que o hóquei em patins era um desporto muito mais interessante de ver do que o futebol - correcção devida ao facto de jogar mal futebol (à defesa, portanto). Escrevi como se escrevesse ao meu companheiro de carteira da primeira classe, o Tó: "Querido Tó" - quando a expressão "querido" ainda não tinha apensa uma orientação sexual, apenas a pena de o Tó Elvas já não pertencer ao número dos vivos, vítima de uma daquelas estúpidas doenças que às vezes escolhem gente jovem. Lembro-me dele alto, muito magro, pelas ruas de Ovar, como se fosse cair para o chão. Se calhar não era assim mas é a memória que eu guardo. Durou pouco, assim se costuma dizer e fecha-se um parêntesis cruel.
Escrevi também sobre o "ter piada". E, então como hoje, pre-adolescente, já me apercebia do doce que é ter a dita piada, e do amargo que é os olhos alheios fecharem-se à leitura do livro de onde a piada surge. E porque não há livros abertos, hoje eu sei. O Tó Elvas tinha montes de piada, um cabelo escorrido, comprido, uma voz rebelde, de catraio das ruas de Ovar. Morava no Outeiro-Mota. A irmã Olívia corria pela ADO e dava umas abadas à Rosa Mota que corria pelo FCFoz. A Olívia parecia-me uma convencida - naquele tempo eu nem pensava no facto de ela ser uma adolescente. Casou e parou de correr, assim. E perdeu a piada que nunca tinha tido. Enfim.
Entendam, eu até gosto de ter piada. Mas eu queria mesmo era ter um Maserati...
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