sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Oito de Janeiro.

Antigamente o turismo era um acontecimento por acontecer em Portugal. Se procurar encontrarei ainda em Ovar um guia hoteleiro de 1957. Casados os meus pais em 61, nascido eu no 64, até para a minha tão jovem idade que tinha quando devorei o dito guia de hotéis e pensões se tornou óbvio que as minhas contas não faziam mais do que uma abordagem histórica da hotelaria e do pensionismo em Portugal. Embora sem o correcto enunciado, assumo que devo ter concluido, provavelmente pouco antes do vinte e cinco de Abril, que as povoações de Portugal com mais capacidade de camas para alojamento turístico eram, por esta ordem, Lisboa, Porto e a Curia, em 57, repito. A partir daqui entre o Luso, o Vidago e o Gerês a minha memória já vacila. Os números de Cascais e do Estoril eram ainda moderados, o Algarve era um sonho por acontecer. Dentro da minha solidão matemática sediada na rua Heliodoro Salgado s/n - não há rua mais central em Ovar, demasiado central eu diria - as minhas variações de pontuação podiam também variar consoante as estrelas dos hotéis e das pensões - no Gerês a hotelaria era de média ou baixa qualidade, Vidago tinha o Palace mas não muito mais, a Curia tinha o das Termas, o do Parque, o Palácio. E, porém, todos estes hotéis em 57 tinham um número razoável de camas sem wc privativo, o que já então me surpreendia e atrapalhava. Desconhecia eu então que parte importante dessas camas seriam ora para os portugueses de menos recursos mas que igualmente precisavam ou julgavam precisar da sua cura termal, e que outros quartos seriam pura e simplesmente para a criadagem. 

Há uns trinta e cinco anos o Miguel Esteves Cardoso disse-me que o Palace Hotel da Curia era o hotel mais bonito de Portugal. Eu entendo a exclusão do Buçaco que, aliás, fica a poucos quilómetros. O Buçaco é uma espécie da Palácio da Pena B que virou hotel. E Portugal não pode ser apenas neo-"manuelzinho". E o Buçaco é apenas uma dúzia de quartos ou duas dúzias. O Palace da Curia, como um paquete branco estacionado no meio de um jardim à entrada da Curia é um acontecimento. Tem uma carta cenográfica mais bonita, menos rectangular do que Vidago. Dentro não desilude mesmo nada e, recuperado, não foi renovado - que quando acontece sempre equivale a não destruido mas quase. Por fora um manto que já não era de cinza mas de negro não permitiu perguntar pela piscina exterior ou pela quadra de ténis que tão boas fotografias tinham fornecido às paredes do hall-bar.

A Curia, o Luso e o Buçaco são rodeados pelo núcleo vinhateiro mais espumante do País, embora quer o Murganheira quer o Raposeira sejam do Douro. Terras com palácios pedem espumante. Uma estrada que como Nacional era a número um inventou outra iguaria, o leitão, e a razão maior hoje em dia para a popularidade da Bairrada. Pouco acima fica Sangalhos, terra das bicicletas e das motorizadas. E do Alves Barbosa.

Lembrar pode ser uma longa auto-estrada, dependendo dos convivas. Uma longa auto-estrada por aqui nunca é assim tanto. Num continente mais ocidental implicaria mudança de estado - do Ohio para o Kentucky, por exemplo. Mas uma auto-estrada pode levar a uma longa conversa. Portanto, como se por um túnel cinzento seguia, ele era o asfalto, ele era a chuva, ele era o céu invisível oculto pelas nuvens carregadas. O que fazer senão lembrar.
 
Não me lembrei de contar a história da chanfana de cabrito nem aquela outra do... Sim, onde escrevi lembrar podia ler-se conversar. 

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