Era muito alta e extensa. Podia dizer-se que ocupava o horizonte. Da esquerda para a direita, da direita para a esquerda. Ainda o caminho não começara a empinar mais eis que ela ali estava, a montanha. Não podia ignorá-la, dada a limpidez do dia, a limpidez da tarde. Era daqueles dias de inverno decididos e correctos que nos oferecem frio e céu azul em quantidades iguais. E uma janela de dia que, se bem aproveitada, pode acrescentar boas surpresas. Caminhava por uma ladeira suave e protegida. Enumerava os dias para trás, lembrava escassas surpresas, as boas. De mau nada o surpreendera. A idade retira-nos a distracção, ensina-nos a prudência, que é apenas o medo rodeado pelos anos. A montanha era mesmo muito grande. E ele queria subi-la. Não sei porque sempre nos refugiamos no pretérito imperfeito - digo, ele quer subi-la. O solstício de inverno já foi, é agora! Mas tudo o que ele pensava ou lembrava eram coisas que as curvas da montanha lhe pediam, ordenavam. Porque a montanha hoje por hoje dominava-lhe o seu pensar. Para lá da montanha o quê? Não sabia. O telemóvel não tinha rede, tal este caminhar. Não podia consultar o GoogleMaps ou a Wikipedia. Cantarolava uma canção mas estava zangado com ela, que disparate, a canção de fecho dos jogos olímpicos de Barcelona, "Amigos para siempre!", que estopada! A música não ia embora, como uma ameaça. A ladeira começava a empinar. O sol mantinha-se por agora, como a canção. Pensou em trauteá-la alto: "Ao menos para que não digam que há distanciamento intelectual!"
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